segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

CIÊNCIA PARA A BIODIVERSIDADE - avaliação dos impactos humanos que causam a perda da biodiversidade


28/02/2011 - 10h02
TERRAMÉRICA - Ciência para a biodiversidade
Por Stephen Leahy*

As negociações comerciais poderão ficar sob a lente de um novo organismo científico dedicado a avaliar os impactos humanos na perda de diversidade biológica.
Uxbridge, Canadá, 28 de fevereiro de 2011 (Terramérica).- Após cinco anos de preparações, será formalmente lançada este ano a Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços de Ecossistemas (IPBES). Para alguns de seus defensores, até as decisões da OMC deveriam passar por sua análise. A IPBES funcionará de maneira análoga ao Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança Climática (IPCC), mas dedicada à biodiversidade.

A ideia que guia este esforço é a de que as decisões tomadas em todas as hierarquias de governos são as responsáveis primordiais pela redução de espécies e ecossistemas que mantêm a vida na terra. Para isto, os governos necessitam de um órgão científico independente e rigoroso, que possa avaliar o impacto de suas políticas e decisões. “As pessoas não costumam apreciar a importância da biodiversidade nem o quanto está em jogo com sua perda”, disse ao Terramérica o professor de Economia Ambiental da norte-americana Arizona State University, Charles Perrings.

“Biodiversidade” é o termo usado para descrever a ampla variedade de seres vivos que formam a infraestrutura biológica do planeta e nos fornecem saúde, riqueza, alimentos, água, combustível e outros serviços vitais. Informes como a Perspectiva Mundial sobre a Diversidade Biológica 3, divulgada no ano passado, documentam como certas políticas e o descumprimento das leis colocam em risco esta infraestrutura biológica. Muitas pessoas não compreendem até que ponto a humanidade depende destes serviços e a velocidade com que estão mudando a biodiversidade, alertou Charles.

“As decisões que alteram a biosfera têm hoje profundas implicações para o bem-estar da humanidade. E devem ser bem informadas pela ciência”, acrescentou o professor. Em sua opinião, “as propostas defendidas pela Organização Mundial do Comércio (OMC) deveriam ser avaliadas quanto às suas consequências sobre o hábitat ou á sua capacidade de provocar uma dispersão maior de espécies pelo planeta, agravando o problema das espécies invasoras”.

A atual Rodada de Doha da OMC para desmantelar os subsídios agropecuários deveria ser analisada quanto aos seus possíveis impactos na biodiversidade, ressaltou Charles. “As consequências das mudanças nas políticas agrícolas estarão entre as primeiras coisas que queremos salvar”, afirmou. A IPBES dará a quem toma decisões projeções rigorosas dos efeitos de suas políticas, declarou Connie Martínez, da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), na cidade suíça de Gland.

“Os funcionários de todos os ministérios necessitam de melhor compreensão de como o desenvolvimento econômico pode ter impacto na biodiversidade”, disse Connie ao Terramérica. Por isso, a IPBES não se limitará a informar aos ministros de Meio Ambiente. Também vai monitorar todas as decisões políticas que possam afetar os ecossistemas, acrescentou Charles, que trabalhou durante anos para criar esta organização.

Além disto, há uma necessidade urgente de entender as consequências de transformações velozes ocorridas na biodiversidade nas últimas décadas. O rumo das energias renováveis, com a produção de agrocombustíveis, foi traçado sem analisar seus consideráveis impactos sobre a diversidade biológica, afirmou Harold Mooney, da Stanford University e coautor, com Charles, de um informe sobre a IPBES publicado no dia 18 deste mês, na revista científica Science.

“O objetivo da IPBES é fazer com que a conexão ciência-política funcione melhor para informar os que tomam decisões”, disse Harold ao Terramérica. A IPBES não vai promover uma ou outra política, mas fornecer a melhor informação científica possível sobre os efeitos que uma ou outra possa ter, ressaltou. E não se trata apenas de conservação: os ecossistemas naturais fornecem um amplo espectro de serviços econômicos à comunidade, disse seu artigo na Science.

Por exemplo, as florestas e os pântanos previnem inundações. Um hectare de arrecife de coral proporciona, em média, serviços avaliados em US$ 130 mil por ano, que podem chegar a até US$ 1,2 milhão em alguns lugares. O plantio de mangues ao longo da faixa costeira do Vietnã custou US$ 1,1 milhão, e permitiu economizar US$ 7,3 milhões com a manutenção de diques.

Em seu ano de nascimento, a IPBES ainda não sai do berço. Apesar de 93 países terem concordado com sua criação, não possui orçamento, nem sede, nem pessoal, e existe apenas um vago esquema sobre como poderia funcionar. Supõe-se que, como o IPCC, se dedicará a revisar de forma exaustiva os resultados das pesquisas mundiais em matéria de biodiversidade e, a partir deles, traçar projeções e cenários e fazer recomendações.

O Conselho Governante do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), integrado pelos ministros de meio ambiente, reuniu-se entre 21 e 24 deste mês no Quênia para aprovar a primeira conferência plenária da IPBES. Nesse plenário, previsto para outubro, serão decididos orçamento, sede, organização e estrutura operacional. Coreia do Sul e Quênia se apresentaram para hospedar a nova entidade.

A União Europeia reclamou que comece a funcionar o quanto antes para demonstrar que “a comunidade internacional está decidida a abordar o grande desafio da perda de biodiversidade”, diz um comunicado da delegação do bloco do Quênia. Para que tenha êxito, é preciso uma significativa participação da sociedade civil, lembrou Connie. Por exemplo, os povos indígenas são fundamentais para a conservação e o uso sustentável da natureza, afirmou. A sociedade civil terá um papel importante, admitiu Charles. Porém, como ocorre com o IPCC, somente os governos poderão votar, afirmou.

A IPBES pretende ser um órgão independente do Pnuma ou do Convênio das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica, disse Nick Nuttall, porta-voz da agência ambiental. Quanto a evitar algumas das controvérsias menores que ofuscaram as conclusões do IPCC em matéria de mudança climática, Nick afirmou ao Terramérica que a IPBES se beneficiará dessa experiência e garantirá “o máximo rigor científico”. Para Charles, com um pouco de sorte, a IPBES estará funcionando no começo de 2012.

*O autor é correspondente da IPS.

Crédito da imagem:
 Mauricio Ramos/IPS

Legenda: 
Vegetação de montanha no Pico de Orizaba, México.

LINKS

Violenta ofensiva contra cientistas do clima
http://www.tierramerica.info/nota.php?lang=port&idnews=3420&olt=465

Mudança climática: Especialista ataca céticos
http://envolverde.com.br/materia.php?cod=69032&edt=

Biodiversidade, arca multicor – Cobertura especial da IPS Notícias, em espanhol
http://www.ipsnoticias.net/_focus/biodiversidad/index.asp

IPBES, em inglês
http://www.ipbes.net/

Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança Climática, em inglês, espanhol e outros idiomas
http://www.ipcc.ch/

Arizona State University, em inglês
http://www.asu.edu/

Perspectiva Mundial sobre la Diversidade Biológica 3, pdf em espanhol
http://www.pnuma.org/deat1/pdf/GBO3-final-es.pdf

Stanford University, em inglês
http://www.stanford.edu/

Revista Science, em inglês
http://www.sciencemag.org/

Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, em inglês e espanhol
http://www.pnuma.org/


Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.


(Envolverde/Terramérica)
© Copyleft - É livre a reprodução exclusivamente para fins não comerciais, desde que o autor e a fonte sejam citados e esta nota seja incluída

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

ASSUNTO CRÍTICO: AGROTÓXICOS

21/02/2011 - 09h02
"Não há desenvolvimento econômico sem ambiente sadio". Entrevista especial com Márcio de Freitas
Por Redação IHU

O relatório organizado pela Coordenação Geral de Avaliação de Substâncias Químicas da Diretoria de Qualidade Ambiental do Ibama é categórico: todos os defensivos agrícolas são tóxicos e o grau de toxicologia varia de I a V. O documento “não traz uma informações novas do ponto de vista dos órgãos reguladores, mas a novidade de torná-las públicas para os usuários e interessados”, esclarece Márcio de Freitas.  Segundo ele, a intenção é divulgar os dados toxicológicos dos defensivos agrícolas anualmente para avaliar a evolução desses produtos e “ter um retrato anual de como está a comercialização dos agrotóxicos no país”.

De acordo com Freitas, além da toxidade, o maior problema enfrentado no Brasil diz respeito “à educação para o uso”.  Da mesma forma que há automedicação, explica, “há uma autodeterminação do agricultor em utilizar os produtos e não observar as questões do ponto de vista técnico”.

Em entrevista concedida à IHU On-Line por telefone, Freitas argumenta que o fato de “o Brasil galgar o primeiro lugar no uso de agrotóxicos” tem relação direta com o crescimento da agricultura no país.  “Há essa associação na medida em que o país expande a sua lavoura, principalmente do ponto de vista da agricultura intensiva, da monocultura e da produção em larga escala”.

Na opinião dele, o uso de agrotóxicos na agricultura é inevitável, já que este é o modelo adotado em todo o mundo.  O desafio, entretanto, é “propor uma alternativa com produtos menos tóxicos e impactantes à saúde e ao meio ambiente, além de pesquisar alternativas de combate às pragas agrícolas especificas”.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Que perigos o Ibama evidenciou no relatório sobre os defensivos agrícolas?


Márcio de Freitas – O Ibama é um dos três órgãos que faz a avaliação para o registro de agrotóxicos no Brasil.  A avaliação é feita a partir da classificação do grau de periculosidade, o qual está vinculado às características que o agrotóxico tem quando é lançado no meio ambiente.  São avaliados 19 parâmetros, que entram em um modelo matemático o qual gera, posteriormente, a classificação em graus de periculosidade em classes I, II, III e IV, além de uma classe V, que é impeditiva de registro.  Cada grau de periculosidade está associado a uma característica ambiental.

IHU On-Line – Que diagnóstico o senhor faz dos defensivos agrícolas utilizados no Brasil?  Se são perigosos, o que sustenta a comercialização?


Márcio de Freitas – Em primeiro lugar, temos de entender que estamos lidando com produtos tóxicos, venenos utilizados para combater pragas e são perigosos por natureza.  Não existe um agrotóxico que não seja perigoso; esse é um dado científico.  Alguns deles, inclusive, são utilizados para suicídios.  Todos que usam esses produtos sabem que estão lidando com um veneno.

A classificação do Ibama leva em consideração o comportamento ambiental do produto.  Então, se um produto é venenoso e persiste no meio ambiente por mais tempo que outro, ele será mais perigoso; se ele é acumulativo na cadeia alimentar, será mais perigoso.  O que o Ibama faz é alertar para o grau de periculosidade do ponto de vista ambiental, classificando-o como muito perigoso, altamente perigoso, perigoso e pouco perigoso.  Se, além de perigoso, o produto tiver algumas características que a legislação prevê como, por exemplo, ser mutagênico, então, ele será impeditivo de registro.  Existem alguns produtos que não tiveram o registro autorizado em função do grau de periculosidade.  Não é o Ibama que classifica o produto e, sim, a característica físico-química do produto e ecotoxicologia, ou seja, o quanto o produto é tóxico para o meio ambiente.

IHU On-Line – A partir do relatório sobre a comercialização de agrotóxicos no país lançado pelo Ibama, quais são as preocupações e desafios em relação à produção e consumo de defensivos agrícolas?
Márcio de Freitas – Esse relatório existe em função de uma previsão legal, prevista no artigo 41 da lei de 1989.  O Ibama recebe e processa esses dados há algum tempo e resolveu publicá-los simplesmente para tornar pública uma informação relativa a regulação dos agrotóxicos no país.  A intenção é fazer essa publicação anualmente para se ter condição de avaliar a evolução desses produtos e disponibilizar esses dados para a academia, os produtores, os governos estaduais e todos os interessados.  Será possível ter um retrato anual de como está a comercialização dos agrotóxicos no país, mas também será possível acompanhar a tendência de evolução.  Poderemos avaliar se há uma tendência do mercado de consumir produtos mais ou menos perigosos, se eles estão concentrados em algumas culturas ou estados.

O relatório não traz uma informação nova do ponto de vista dos órgãos reguladores, mas a novidade de torná-las públicas para os usuários e interessados.

IHU On-Line – Em 14 de janeiro de 2011, o ativo metamidofós foi banido do país e, atualmente, o acefato está passando por um processo de reavaliação.  Quais os riscos desse defensivo agrícola?

Márcio de Freitas – Ele está sendo reavaliado porque há suspeita de que seja um produto mutagênico, por isso a Anvisa solicitou a reavaliação.  A instituição contratou o Instituto Oswaldo Cruz para fazer a avaliação.  Depois, os três órgãos (Ibama, Anvisa e Ministério da Agricultura) irão se debruçar sobre os novos estudos e irão concluir as medidas a serem adotadas.

É importante entender que os produtos são avaliados e registrados a partir desta avaliação conjunta feita pelos três órgãos: Anvisa, Ibama e Ministério da Agricultura.  A Anvisa avalia as questões de toxicologia humana; o Ibama, de toxicologia ambiental; e o Ministério da Agricultura avalia a eficácia do produto para aquilo que ele se propõe, ou seja, combater pragas.  Então, as três avaliações sendo autorizativas, o produto recebe autorização para ser utilizado no Brasil.

Depois de registrado, por alguma motivação extraordinária – por exemplo, uma nova pesquisa, um trabalho publicado que revele características que durante o processo de avaliação não foram identificadas –, pode-se motivar uma reavaliação, que é o que está acontecendo com o acefato e aconteceu com o metamidofós.  Se um produto é proibido na Europa, nós avaliamos os estudos e colocamos o produto em reavaliação no Brasil para decidir se tal proibição faz sentido no país.  Esse é um processo normal.

IHU On-Line – Como se dá a relação entre os órgãos responsáveis ao analisar as implicações do uso de agrotóxicos?  Há divergências?


Márcio de Freitas – Quando uma determinada empresa quer registrar um produto no Brasil, ela entra simultaneamente nos três órgãos, os quais avaliarão de acordo com a sua peculiaridade.  A lei atribui a cada um deles um papel distinto.  Existe um comitê técnico de assessoramento que faz a compatibilização e a discussão interna entre os três órgãos.  Essa comissão reúne os três órgãos responsáveis pelo registro e, quando há questões polêmicas de divergência, elas são dirimidas nesta instância.  Não havendo consenso, são remetidas aos ministérios correspondentes e os ministros discutem a questão.

No caso de o produto ser agrícola, quem emite o registro é o Ministério da Agricultura.  Quando um produto é utilizado em ferrovia, por exemplo, ou em floresta nativa, quem avalia e emite o registro é o Ibama.  No caso dos domissanitários, utilizados nas residências, são autorizados pela Anvisa.  Essa divisão é estabelecida pela lei e os procedimentos estão normatizados, norteando a atuação dos três órgãos.

É importante lembrar que a lei de agrotóxicos é de 1989 e existe o decreto de 2004, além de outras legislações que estão sendo aperfeiçoadas.  Esse processo já é bastante antigo no Brasil.  Tanto as empresas registradas quanto os órgãos envolvidos no registro já atuam há mais de 20 anos.

IHU On-Line – Em 2008, o Brasil se tornou o maior consumidor de agrotóxicos agrícolas.  Que fatores justificam o aumento do uso de agrotóxicos nas lavouras brasileiras?
Márcio de Freitas – Desde os anos 2000, o Brasil está classificado entre os seis maiores consumidores de agrotóxicos.  Diria que o fato de o Brasil galgar o primeiro lugar tem relação direta com o crescimento da agricultura no país.  Ao mesmo tempo em que o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos, é um dos maiores produtores agrícolas do mundo.  Há essa associação na medida em que o país expande a sua lavoura, principalmente do ponto de vista da agricultura intensiva, da monocultura e da produção em larga escala.

O grande desafio dos órgãos agrícolas é acompanhar o desenvolvimento da agricultura e contribuir para que o país tenha uma agricultura menos impactante do ponto de vista ambiental, de saúde pública e adequada às pragas nacionais.  É importante lembrar que, do ponto de vista agronômico, o Brasil tem particularidades em relação aos demais países.  O Brasil, dentre os produtores de alimentos, é o que detém a maior biodiversidade do planeta.  Portanto, temos de ter responsabilidade em preservar essa biodiversidade, responsável pela produtividade agrícola.  O meio ambiente sustenta todo o desenvolvimento econômico.  Não há desenvolvimento econômico sem um meio ambiente sadio.  Se os solos estiverem esgotados, a biodiversidade reduzida, perderemos polinizadores e uma série de características que o país tem e que o levam a ser um grande produtor de alimentos.  Às vezes as pessoas pensam que o meio ambiente é uma oposição ao desenvolvimento econômico, quando, na verdade, ele é a base do crescimento econômico.  Não existe nenhuma produção econômica que não dependa do meio ambiente: nem indústria, nem serviços, nem agricultura.  Não há nada que prescinda de um meio ambiente saudável.

IHU On-Line – Entretanto, a política agrícola brasileira incentiva o uso de defensivos agrícolas?  Há uma contradição na política governamental?
Márcio de Freitas – Não há uma contradição.  Porque, para que o Brasil seja competitivo do ponto de vista agrícola, é preciso que a agricultura esteja pari passu com o desenvolvimento agrícola mundial.  Se este desenvolvimento hoje está baseado no uso intensivo de agroquímicos e fertilizantes, cabe a nós sermos protagonistas no sentido de propor uma alternativa com produtos menos tóxicos e impactantes à saúde e ao meio ambiente, além de pesquisar alternativas de combate às pragas agrícolas específicas e adequadas à realidade brasileira por meio do uso de produtos biológicos.  O Brasil tem se desenvolvido bastante nesta área, ainda muito aquém da indústria química.  Entretanto, não podemos esquecer que a indústria química é a maior potência em termos de indústria no mundo.  Não casualmente, são também os produtores de medicamentos, além de serem multinacionais.

IHU On-Line – É possível não utilizar agrotóxicos?
Márcio de Freitas – Não diria que é possível não utilizá-los.  Diria que é possível utilizá-los com racionalidade.  O grande problema evidenciado no Brasil não diz respeito aos produtos registrados, pois o país está praticamente no mesmo nível dos países desenvolvidos: dificilmente se encontram produtos registrados no Brasil que estejam proibidos em outros países.  Recentemente, dez funcionários do Ibama fizeram uma capacitação nos Estados Unidos.  O diferencial do Brasil é a educação para o uso.  É o mesmo problema que o país enfrenta em relação à medicação.  Como ainda há uma automedicação na indústria farmacêutica, há uma autodeterminação do agricultor em utilizar os produtos e não observar as questões do ponto de vista técnico.  Os produtos têm rótulo e bula, da mesma forma que os remédios e, portanto, é importante seguir as indicações de uso.  Entretanto, esse é o ponto em que, no Brasil, sofremos mais em função das características de analfabetismo alto, com dificuldade de instrução e equipamento na agricultura.  Então, há mau uso em função de má formação e de não observação daquilo que a legislação prevê.

IHU On-Line – Quais são os principais desafios da indústria química em relação aos agrotóxicos e defensivos agrícolas?


Márcio de Freitas – O grande desafio da indústria química é fazer produtos eficientes com baixa toxicologia.  Produtos que combatam especificamente o alvo a que ele se destina, ou seja, combater a praga da lavoura sem causar problema às demais espécies envolvidas na cadeia alimentar e na biodiversidade do país.

IHU On-Line – De que maneira os defensivos agrícolas interferem na qualidade ambiental, de acordo com a avaliação do Ibama?
Márcio de Freitas – Quando o Ibama recebe um pedido de registro de agrotóxicos, ele solicita uma série de ensaios padronizados dentro de um padrão internacional.  Poucos laboratórios do país são credenciados para fazer esses ensaios, os quais são caros e demorados.  A partir destes testes, é analisada a mobilidade do produto no meio ambiente, quer dizer, como ele se desloca no meio ambiente depois de ser aplicado na lavoura, o que acontece com o produto se chover, se ele pode atingir os lençóis freáticos, se é volátil e pode ser transmitido pelo vento.  A outra questão avaliada é a persistência, ou seja, por quanto tempo ele fica ativo e demora para se degradar.  Quanto mais móvel o produto for, mais perigoso ele é.

Outra característica avaliada é se ele é acumulativo nos tecidos orgânicos vivos ou não.  Se ele for, a capacidade dele se propagar e ser acumulativo na cadeia alimentar é maior e, portanto, ele é mais perigoso.  Se esse produto for tóxico aos micro-organismos de solo, significa que ele é mais perigoso.  É importante lembrar que a toxidade não específica à praga que ele quer combater pode levar, por exemplo, à exaustão do solo e à perda da capacidade de produção.  Então, a preocupação do Ibama é ambiental, mas ela também se reflete na manutenção da saúde ambiental do país para poder continuar produzindo.

Já existem estudos mostrando que lavouras de café em locais onde não existam insetos polinizadores produzem 40% menos do que uma lavoura onde há polinizadores naturais como as abelhas, que fazem o papel de reprodução das plantas.  Nós estamos avaliando a toxidade do produto a abelhas, peixes, micro-organismos de água doce, aves etc., buscando identificar que efeitos os agrotóxicos trazem sobre as espécies nativas e, com isso, classificamos o produto como mais ou menos perigoso.

IHU On-Line – Muitos ambientalistas afirmam que o sumiço das abelhas se deve ao uso de agrotóxicos.  O Ibama já tem alguma conclusão sobre o assunto?
Márcio de Freitas – Nós estamos estudando a questão e ainda não temos uma conclusão, mas devemos ter nos próximos meses.  Estamos consultando pesquisadores, solicitando novos exames.

IHU On-Line – Pode adiantar alguma informação?  É possível que o sumiço dos insetos esteja relacionado ao uso desses produtos?


Márcio de Freitas – Ainda não.  Isso provavelmente será tornado público no primeiro semestre de 2011.

IHU On-Line – Resumindo, qual a posição do Ibama em relação ao uso de defensivos agrícolas?  Qual a atuação do órgão na fiscalização desses produtos?
Márcio de Freitas – O Ibama não tem posição; é um órgão técnico de avaliação ambiental e não há um posicionamento político.  Temos critérios técnicos, avaliamos as questões que nos são submetidas e, em função disso, nos posicionamos com clareza afirmando se o produto é ou não perigoso.  Se o Ibama entender que o produto não pode ser registrado, emite um laudo apresentando as características impeditivas de registro e nega o registro.

Não é nosso papel emitir posição de ser contra ou a favor dos agrotóxicos.  Posicionamo-nos objetivamente sobre as questões que nos são dadas a avaliar.  Naturalmente, do ponto de vista da defesa ambiental, interessa ao país que tenhamos produtos menos tóxicos.  Quer dizer, interessa ao Ibama e ao Brasil que se tenha uma agricultura competitiva, produtiva, capaz de ser um dos maiores produtores agrícolas sem prejuízo ao meio ambiente brasileiro.  Sem este meio ambiente, certamente o Brasil não seria um grande produtor agrícola.  É importante ter esse vínculo.  O país precisa ser uma potência emergente, mas também é importante que se continue tendo condições para dar continuidade a esse desenvolvimento.

IHU On-Line – Após a publicação do relatório, qual será a próxima atitude do Ibama em relação aos defensivos agrícolas?
Márcio de Freitas – Estamos trabalhando no sentido de melhorar a avaliação, incorporando a questão de avaliação de risco.  Esta é uma meta para 2011: buscarmos, além de avaliar a periculosidade, associá-la à forma e ao local em que está sendo utilizada.  Isso vai dar uma característica de maior risco do produto.  Essa avaliação de risco o Ibama ainda não faz, embora alguns países desenvolvidos já utilizam esse método.  A outra meta é publicarmos o relatório de 2010 com inovações no sentido de incorporar maiores informações sobre importação e exportação, um maior detalhamento dos produtos não agrícolas e dos produtos biológicos.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Márcio de Freitas – Gostaria de destacar que é importante atentar para a questão do uso.  Uma coisa é registrar o produto e outra é a maneira como ele é utilizado.  Nesse aspecto, o papel dos estados é fundamental porque a fiscalização do uso, pela lei, cabe aos estados da União.  Esse é um desafio do país no sentido de articular essas relações entre quem registra e quem utiliza.  Por isso, a intenção de publicação do relatório também é a de nos aproximar dos estados em relação a essas informações que detemos e colocar a Coordenação Geral de Avaliação de Substâncias Químicas e a diretoria de Qualidade Ambiental à disposição para as informações complementares que os interessados venham a ter.


(Envolverde/IHU On-Line)
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domingo, 20 de fevereiro de 2011

PROJETO JUÇARA

Posted: 19 Feb 2011 03:56 AM PST
O projeto Juçara, é uma iniciativa do Ipema para divulgar o uso dos frutos da palmeira Juçara e consolidar sua cadeia produtiva na região da Mata Atlântica do litoral norte de São Paulo.
Acesse o site e saiba mais sobre o projeto e sobre esse maravilhoso fruto: www.projetojucara.org.br

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

... LIVRAI-NOS HOJE DO NOSSO LIXO DIÁRIO ... " O extraordinário impacto do lixo"

16/02/2011 - 10h02
O extraordinário impacto do lixo
Por Jairo Bouer*


Pode apostar que, quanto mais lixo produzimos, pior estamos nos alimentando.

Na semana passada fui ver um filme que deveria ser exibido em todas as escolas do país! "Lixo Extraordinário", documentário que concorre ao Oscar 2011, mostra a vida dos catadores de material reciclável no aterro sanitário do Gramacho, um dos maiores do mundo, no Rio. Também mostra como a arte pode virar a realidade dessas pessoas de cabeça para baixo.

Quando a gente produz nosso lixo diário, dificilmente pensa no impacto que esses dejetos vão ter para o ambiente e para a vida de outras pessoas. Além de separar os recicláveis (o que já deveria ser uma prática regular em todos os cantos do planeta), a própria maneira como consumimos, produzimos lixo e nos livramos dele deveria ser revista.

É uma cadeia de produção assustadora! O que isso tem a ver com saúde? Tudo! Pode apostar que, quanto mais lixo produzimos, pior estamos nos alimentando!

Outro filme que me veio à cabeça quando vi "Lixo Extraordinário" foi o já clássico "Ilha das Flores" (1989), curta do diretor gaúcho Jorge Furtado que, contando a saga de um tomate, faz uma crítica ácida à nossa sociedade de consumo. Cheque aqui.

A questão ambiental ocupa cada vez mais espaço em nossas vidas. Água, energia, lixo e aquecimento global são temas que vamos ter de encarar. A ligação de tudo isso com nosso estilo de vida, nossa saúde e nosso comportamento não é uma discussão tão óbvia, mas é fundamental. Essa "ecologia" humana já é uma das bolas da vez!

Talvez o mais bonito desse filme seja justamente focar as pessoas, no impacto que o lixo produz em suas vidas, no resgate da sua auto-estima, no poder de compreensão do que é a arte e em como ela pode ser transformadora. Na semana passada, voando para o Rio encontrei um dos personagens (o Tião). Virei tiete! Como o cara é bacana! O lixo pode ser mesmo extraordinário!

*Jairo Bouer é médico formado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, com residência em psiquiatria no Instituto de Psiquiatria da USP. A partir do seu trabalho no Projeto Sexualidade do Hospital das Clínicas da USP (Prosex), virou referência no Brasil sobre saúde e comportamento do jovem. Além da prática de consultório, mantém programas em TV e rádio e colaborações em jornais, revistas e sites. Este artigo foi publicado originalmente no caderno Folhateen do Jornal Folha de S.Paulo, na edição de dia 14/02/2011.


(Envolverde/Instituto Akatu)
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terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

MUNDO DESCARTÁVEL...

15/02/2011 - 10h02
Caí no mundo e não sei como voltar
Por Eduardo Galeano*


O que acontece comigo é que não consigo andar pelo mundo pegando coisas e trocando-as pelo modelo seguinte só por que alguém adicionou uma nova função ou a diminuiu um pouco…

Não faz muito, com minha mulher, lavávamos as fraldas dos filhos, pendurávamos na corda junto com outras roupinhas, passávamos, dobrávamos e as preparávamos para que voltassem a serem sujadas.

E eles, nossos nenês, apenas cresceram e tiveram seus próprios filhos se encarregaram de atirar tudo fora, incluindo as fraldas. Se entregaram, inescrupulosamente, às descartáveis!

Sim, já sei. À nossa geração sempre foi difícil jogar fora. Nem os defeituosos conseguíamos descartar! E, assim, andamos pelas ruas, guardando o muco no lenço de tecido, de bolso.

Nããão! Eu não digo que isto era melhor. O que digo é que, em algum momento, me distraí, caí do mundo e, agora, não sei por onde se volta.

O mais provável é que o de agora esteja bem, isto não discuto. O que acontece é que não consigo trocar os instrumentos musicais uma vez por ano, o celular a cada três meses ou o monitor do computador por todas as novidades.

Guardo os copos descartáveis! Lavo as luvas de látex que eram para usar uma só vez.

Os talheres de plástico convivem com os de aço inoxidável na gaveta dos talheres! É que venho de um tempo em que as coisas eram compradas para toda a vida!

E mais! Se compravam para a vida dos que vinham depois! A gente herdava relógios de parede, jogos de copas, vasilhas e até bacias de louça.

E acontece que em nosso nem tão longo matrimônio, tivemos mais cozinhas do que as que haviam em todo o bairro em minha infância, e trocamos de refrigerador três vezes.

Nos estão incomodando! Eu descobri! Fazem de propósito! Tudo se lasca, se gasta, se oxida, se quebra ou se consome em pouco tempo para que possamos trocar. Nada se arruma. O obsoleto é de fábrica.

Aonde estão os sapateiros fazendo meia-solas dos tênis Nike? Alguém viu algum colchoeiro encordoando colchões, casa por casa? Quem arruma as facas elétricas? O afiador ou o eletricista? Haverá teflon para os funileiros ou assentos de aviões para os talabarteiros?

Tudo se joga fora, tudo se descarta e, entretanto, produzimos mais e mais e mais lixo. Outro dia, li que se produziu mais lixo nos últimos 40 anos que em toda a história da humanidade.

Quem tem menos de 30 anos não vai acreditar: quando eu era pequeno, pela minha casa não passava o caminhão que recolhe o lixo! Eu juro! E tenho menos de ... anos! Todos os descartáveis eram orgânicos e iam parar no galinheiro, aos patos ou aos coelhos (e não estou falando do século XVII). Não existia o plástico, nem o nylon. A borracha só víamos nas rodas dos autos e, as que não estavam rodando, as queimávamos na Festa de São João. Os poucos descartáveis que não eram comidos pelos animais, serviam de adubo ou se queimava...

Desse tempo venho eu. E não que tenha sido melhor.... É que não é fácil para uma pobre pessoa, que educaram com "guarde que alguma vez pode servir para alguma coisa", mudar para o "compre e jogue fora que já vem um novo modelo".

Troca-se de carro a cada 3 anos, no máximo, por que, caso contrário, és um pobretão. Ainda que o carro que tenhas esteja em bom estado... E precisamos viver endividados, eternamente, para pagar o novo!!! Mas... por amor de Deus!

Minha cabeça não resiste tanto. Agora, meus parentes e os filhos de meus amigos não só trocam de celular uma vez por semana, como, além disto, trocam o número, o endereço eletrônico e, até, o endereço real.

E a mim que me prepararam para viver com o mesmo número, a mesma mulher, e o mesmo nome (e vá que era um nome para trocar). Me educaram para guardar tudo. Tuuuudo! O que servia e o que não servia. Por que, algum dia, as coisas poderiam voltar a servir.

Acreditávamos em tudo. Sim, já sei, tivemos um grande problema: nunca nos explicaram que coisas poderiam servir e que coisas não. E no afã de guardar (por que éramos de acreditar), guardávamos até o umbigo de nosso primeiro filho, o dente do segundo, os cadernos do jardim de infância e não sei como não guardamos o primeiro cocô.

Como querem que entenda a essa gente que se descarta de seu celular a poucos meses de o comprar? Será que quando as coisas são conseguidas tão facilmente, não se valorizam e se tornam descartáveis com a mesma facilidade com que foram conseguidas?

Em casa tínhamos um móvel com quatro gavetas. A primeira gaveta era para as toalhas de mesa e os panos de prato, a segunda para os talheres e a terceira e a quarta para tudo o que não fosse toalha ou talheres. E guardávamos...

Como guardávamos! Tuudo! Guardávamos as tampinhas dos refrescos! Como, para quê? Fazíamos limpadores de calçadas, para colocar diante da porta para tirar o barro. Dobradas e enganchadas numa corda, se tornavam cortinas para os bares. Ao fim das aulas, lhes tirávamos a cortiça, as martelávamos e as pregávamos em uma tabuinha para fazer instrumentos para a festa de fim de ano da escola.

Tuudo guardávamos! Enquanto o mundo espremia o cérebro para inventar acendedores descartáveis ao término de seu tempo, inventávamos a recarga para acendedores descartáveis. E as Gillette – até partidas ao meio – se transformavam em apontadores por todo o tempo escolar. E nossas gavetas guardavam as chavezinhas das latas de sardinhas ou de corned-beef, na possibilidade de que alguma lata viesse sem sua chave.

E as pilhas! As pilhas das primeiras Spica passavam do congelador ao telhado da casa. Por que não sabíamos bem se se devia dar calor ou frio para que durassem um pouco mais. Não nos resignávamos que terminasse sua vida útil, não podíamos acreditar que algo vivesse menos do que um jasmim. As coisas não eram descartáveis. Eram guardáveis.

Os jornais!!! Serviam para tudo: para servir de forro para as botas de borracha, para por no piso nos dias de chuva e por sobre todas as coisa para enrolar.

Às vezes sabíamos alguma notícia lendo o jornal tirado de um pedaço de carne! E guardávamos o papel de alumínio dos chocolates e dos cigarros para fazer guias de enfeites de natal, e as páginas dos almanaques para fazer quadros, e os conta-gotas dos remédios para algum medicamento que não o trouxesse, e os fósforos usados por que podíamos acender uma boca de fogão (Volcán era a marca de um fogão que funcionava com gás de querosene) desde outra que estivesse acesa, e as caixas de sapatos se transformavam nos primeiros álbuns de fotos e os baralhos se reutilizavam, mesmo que faltasse alguma carta, com a inscrição a mão em um valete de espada que dizia "esta é um 4 de paus".

As gavetas guardavam pedaços esquerdos de prendedores de roupa e o ganchinho de metal. Ao tempo esperavam somente pedaços direitos que esperavam a sua outra metade, para voltar outra vez a ser um prendedor completo.

Eu sei o que nos acontecia: nos custava muito declarar a morte de nossos objetos. Assim como hoje as novas gerações decidem ‘matá-los’ tão-logo aparentem deixar de ser úteis, aqueles tempos eram de não se declarar nada morto: nem a Walt Disney!!!

E quando nos venderam sorvetes em copinhos, cuja tampa se convertia em base, e nos disseram: ‘Comam o sorvete e depois joguem o copinho fora’, nós dizíamos que sim, mas, imagina que a tirávamos fora!!! As colocávamos a viver na estante dos copos e das taças. As latas de ervilhas e de pêssegos se transformavam em vasos e até telefones. As primeiras garrafas de plástico se transformaram em enfeites de duvidosa beleza. As caixas de ovos se converteram em depósitos de aquarelas, as tampas de garrafões em cinzeiros, as primeiras latas de cerveja em porta-lápis e as cortiças esperaram encontrar-se com uma garrafa.

E me mordo para não fazer um paralelo entre os valores que se descartam e os que preservávamos. Ah!!! Não vou fazer!!!

Morro por dizer que hoje não só os eletrodomésticos são descartáveis; também o matrimônio e até a amizade são descartáveis. Mas não cometerei a imprudência de comparar objetos com pessoas.

Me mordo para não falar da identidade que se vai perdendo, da memória coletiva que se vai descartando, do passado efêmero. Não vou fazer.

Não vou misturar os temas, não vou dizer que ao eterno tornaram caduco e ao caduco fizeram eterno.

Não vou dizer que aos velhos se declara a morte apenas começam a falhar em suas funções, que aos cônjuges se trocam por modelos mais novos, que as pessoas a que lhes falta alguma função se discrimina o que se valoriza aos mais bonitos, com brilhos, com brilhantina no cabelo e glamour.

Esta só é uma crônica que fala de fraldas e de celulares. Do contrário, se misturariam as coisas, teria que pensar seriamente em entregar à ‘bruxa’, como parte do pagamento de uma senhora com menos quilômetros e alguma função nova. Mas, como sou lento para transitar este mundo da reposição e corro o risco de que a ‘bruxa’ me ganhe a mão e seja eu o entregue...

*Eduardo Galeano é jornalista e escritor uruguaio.

**Publicado originalmente no Blog do jornalista Richard Jakubaszko - http://richardjakubaszko.blogspot.com/2011/02/cai-no-mundo-e-nao-sei-como-voltar.html



(Envolverde/Blog do Richard Jakubaszko)
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segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

PEGADA ECOLÓGICA MASCULINA É MAIOOOR ...............

14/02/2011 - 10h02
TERRAMÉRICA - Contaminar se conjuga no masculino
Por Julio Godoy*

Os maus hábitos alimentares e o uso ineficiente do transporte fazem com que os homens provoquem mais emissões do contaminante dióxido de carbono do que as mulheres.

Paris, França, 14 de fevereiro (Terramérica).- A desigualdade de gênero em detrimento da mulher é bem conhecida e documentada. O que não se sabe tanto é que o comportamento masculino também é o maior responsável pela emissão de gases causadores do efeito estufa, que provocam o aquecimento do planeta. A essa conclusão chegaram dois estudos independentes desenvolvidos por cientistas europeus separadamente, ambos baseados em dados estatísticos sobre o consumo e as atividades cotidianas de homens e mulheres em países industrializados.

Frédéric Chomé, consultor francês para questões ambientais e de desenvolvimento sustentável, afirmou que uma mulher francesa típica provoca a emissão de 32,3 quilos de dióxido de carbono (CO²) por dia, em média, enquanto um homem no mesmo período é responsável por 39,3 quilos. “As estimativas têm como base um estudo das atividades humanas dividido por gênero, realizado pelo Instituto Nacional de Estatísticas e Estudos Econômicos da França”, explicou Frédéric ao Terramérica.

“Embora nosso método de cálculo ainda seja muito aproximado, creio que o resrultado é um bom indicador das diferenças de poluição ambiental derivadas do comportamento diferente entre homens e mulheres”, acrescentou o autor do estudo “23 Heures Chrono: Votre Bilan Carbone” (24 Horas Exatas: Sua Conta Pessoal de Carbono). A conclusões semelhantes chegaram a sueca Annika Carlsson-Kanyama e a finlandesa Riita Räty em uma pesquisa sobre os comportamentos de homens e mulheres em dez atividades cotidianas na Alemanha, Grécia, Noruega e Suécia.

“Os homens consomem mais carne e bebidas processadas do que as mulheres, além de utilizarem com mais frequência o automóvel e dirigir por distâncias mais longas. Isso os leva a emitirem maior quantidade de CO²”, diz o estudo “Comparing Energy Use by Gender, Age and Income in Some European Countries” (Comparaçao do Uso de Energia por Gênero, Idade e Renda em Alguns Países Europeus). Comentando os dois trabalhos, Corinna Altenburg e Fritz Reusswig, do Instituto de Potsdam para Pesquisa do Impacto Climático (Alemanha), avaliaram que alguns dos hábitos mais poluentes atribuídos à população masculina são motivados pelos papeis que eles cumprem na sociedade.

“No transporte, por exemplo, fazem muitas viagens em avião e automóvel, o que aumenta consideravelmente a pegada ecológica dos homens”, explicaram Corinna e Fritz ao Terramérica. Esse desequilíbrio pode ser compensado “na medida em que a igualdade de oportunidades profissionais permitirem que a mulher suba na escala profissional e os homens assumam mais tarefas domésticas”, afirmaram. Por outro lado, as diferenças na alimentação são determinantes por gênero. “Os homens tendem a comer mais carne e as mulheres mais frutas e vegetais, hábitos difíceis de serem combatidos”, acrescentaram.

Corinna e Fritz sugerem que uma política voltada à redução das emissões masculinas deve se orientar tanto para objetivos ambientais como para temas de desenvolvimento urbano, tradições profissionais e costumes arraigados. “A meta em alimentação deveria ser trocar quantidade por qualidade. Ao diminuir o consumo de carne se consegue reduzir a produção em massa e, assim, baixar as emissões de CO² emitidas pelos animais, por exemplo”, ressaltaram.

A culpa dos homens 

Frédéric comprovou que na França, apenas devido aos hábitos alimentícios, um homem é responsável pela emissão de 7,98 quilos de CO² por dia, enquanto uma mulher emite 6,79 quilos. O cientista estimou diferenças semelhantes de gênero em praticamente todas as 11 atividades analisadas. No único caso em que as mulheres provocam maiores emissões desse gás-estufa é quando realizam tarefas tradicionais em casa, como lavar, cozinhar, limpar a casa e passar roupa, segundo o estudo divulgado no dia 24 de novembro.

Por sua parte, Annika explicou ao Terramérica que a pesquisa feita com Riita apresentou como resultado que, além das diferenças substanciais entre gênero em transporte a e alimentação, o consumo de álcool e tabaco são dois fatores que aumentam as emissões sobre as quais os homens são muito mais responsáveis. “Para o estudo, examinamos o uso total de energia por família nos quatro países e depois diferenciamos os consumos individuais entre homens e mulheres por atividade”, explicou.

A atividade mais importante por suas consequências ambientais é o transporte, disse Annika. “Só neste item, os homens consomem entre 70% e 80% mais energia do que as mulheres na Alemanha e na Noruega, 100% a mais na Suécia e até 350% na Grécia”, acrescentou. Isto se explica pela utilização muito mais intensiva de automóveis individualmente por parte deles, o que representa um consumo maior de conbustível e peças de reposição, bem como mais consertos.

“Estas diferenças não são específicas dos quatro países analisados, sendo generalizadas em toda a União Europeia (UE), e têm pouco a ver com as diferentes atividades profissionais entre homens e mulheres”, disse Annika. As mulheres na UE tendem a fazer viagens mais curtas de carro, utilizar mais vezes o transporte público e concebem seus trajetos em função das necessidades de transporte de outras pessoas. Em geral, o estudo publicado em agosto de 2009 por UE e Riita mostra que os homens consomem muito mais energia do que as mulheres. As diferenças vão desde 8% na Alemanha, passando por 6% na Noruega, até 22% na Suécia e 39% na Grécia.

Como outros estudos anteriores, o destas pesquisadoras também conclui que o consumo de energia aumenta na medida em que cresce o nível de renda das famílias, e com isso também aumentam as emissões de CO² e sua contribuição individual para a mudança climática. Segundo Annika, as descobertas das duas pesquisas sugerem que os governos europeus devem focar seus esforços de redução de emissão de gases-estufa em convencer a população masculina a mudar seus hábitos de transporte e alimentação, para aumentar sua eficiência no consumo de energia nessas atividades.

* O autor é correspondente da IPS.

Crédito da imagem: Immanuel Giel/Domínio público

Legenda: Os homens fazem uso abusivo do automóvel, provocando engarrafamentos como o desta rodovia perto de Aachen, na Alemanha.

LINKS

Não possuem, não herdaram, não ganham
http://www.tierramerica.info/nota.php?lang=port&idnews=1750

Um drama que não entendemos
http://www.tierramerica.info/nota.php?lang=port&idnews=3678

As mulheres são notícia – Cobertura especial da IPS, em espanhol
http://www.ipsnoticias.net/_focus/mujer/index.asp

Metas do Milênio – Cobertura especial da IPS, em espanhol
http://www.ipsnoticias.net/_focus/metas_milenio/index.asp

Estudo de Frédéric Chomé, em francês
http://www.terra-economica.info/24-heures-chrono-votre-bilan,13860.html

Blog ambiental de Frédéric Chomé, em francês
http://www.terra-economica.info/Demande-a-FredO,608.html

Estudo de Annika Carlsson-Kanyama e Riita Räty, pdf em inglês
http://www2.foi.se/rapp/foir2800.pdf

Instituto Nacional de Estatísticas e Estudos Econômicos, em francês e inglês
http://www.insee.fr/fr/default.asp


Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.


(Envolverde/Terramérica)
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sábado, 12 de fevereiro de 2011

ECOSSOCIALISMO

O QUE É  ECOSSOCIALISMO?

O ecossocialismo parte de algumas idéias fundamentais de Marx sobre a lógica do capital e de alguns dos descobrimentos, avanços e conquistas científicas do movimento ecológico e da ciência ecológica. Marx não havia colocado ainda a questão da ecologia em sua análise porque, na sua época, a questão era muito pouco evidente. Mas ele afirma, em O Capital, que o sistema capitalista esgota as forças do trabalhador e as forças da Terra. Traça um paralelo entre o esgotamento do trabalhador e o esgotamento do planeta. Portanto, o desenvolvimento do capitalismo acaba com a natureza.

As atuais fontes de energia do capitalismo são nocivas e perigosas; o que é perigoso para o meio-ambiente, também o é para a humanidade: quer sejam as energias fósseis, em particular o petróleo que vai acabar dentro de algumas décadas - e se sabe matematicamente que vai acabar -, quer seja a energia atômica, que é uma falsa alternativa, pois o lixo nuclear é um problema gigantesco, muito perigoso, e que ninguém consegue resolver.

Então, a transformação revolucionária das forças produtivas passa pela questão das novas fontes de energia, pelas chamadas fontes de energia renováveis. No lugar do petróleo poluidor e da energia nuclear devastadora, necessita-se buscar energias renováveis, como a energia solar. Mas ela não interessa aos capitalistas, porque é gratuita, difícil de vender e não é mercadoria.

O capitalismo não se interessa pela energia solar, não investe em seu desenvolvimento. Obviamente, do ponto de vista socialista, é absolutamente prioritária a pesquisa científica e o desenvolvimento tecnológico da energia solar. Não é a única, mas, com certeza terá um papel central no processo de transformação radical do projeto ecossocialista.

Por isso, alguns velhos socialistas relacionam diretamente nossa utopia revolucionária, o socialismo, o comunismo, com o Sol, com a energia solar. Essa expressão de "comunismo solar" já aparece em alguns trabalhos de ecossocialistas. Haveria uma espécie de profunda afinidade entre a energia solar e o projeto comunista.

Os balanços negativos
Outro tema que deve ser examinado é o balanço negativo do que foi, a partir da visão ecológica, a experiência do chamado "socialismo real" da União Soviética e outros Estados burocráticos. Do ponto de vista da transformação do aparelho produtivo, que avançou muito pouco, os resultados foram enormes catástrofes ecológicas. Essa experiência é um caminho que nós não devemos seguir.

Outro balanço negativo é o do reformismo verde. Os partidos verdes que se formaram nos anos sessenta e setenta, no começo com certa perspectiva radical, terminaram quase todos, entrando em governos de centro-esquerda e convertendo-se ao social-liberalismo. As soluções que se requerem não passam por uma reforma ecológica aqui ou acolá; isso não resolve nenhum dos problemas. O balanço desse eco-reformismo verde é, portanto, bastante decepcionante.

Necessitamos levantar esta utopia revolucionária, essa possibilidade que é o ecossocialismo, que é o comunismo solar. A probabilidade de uma transformação radical da sociedade implica a expropriação do Capital. Mas, ficar apenas na expropriação dos capitalistas não enfrentará a questão do meio-ambiente.

A perspectiva ecológica, compreendida na sua radicalidade como a própria perspectiva socialista, implica a superação do capitalismo, a possibilidade de uma sociedade mais humana, justa, igualitária, democrática e capaz de estabelecer uma relação harmoniosa dos seres humanos entre si e com o meio-ambiente, com a natureza.

Não basta estabelecer este objetivo, essa utopia revolucionária. É preciso começar a construir esse futuro desde já. É necessário participar de todas as lutas, inclusive das mais modestas; como, por exemplo, a de uma comunidade que se defende contra uma empresa poluidora; ou a defesa de uma parte da natureza que esteja ameaçada por um projeto comercial destrutivo.

É importante ir construindo a relação entre as lutas sociais e as ambientais, pois elas tendem a concordar, unidas ao redor de objetivos comuns. Por exemplo, as comunidades indígenas ou camponesas que enfrentam as multinacionais desenvolvem um combate antiimperialista, mas também social e ecológico. A luta pelo transporte coletivo moderno e gratuito é um combate para avançar na solução do problema da poluição do ar. Conquistar uma rede de transporte público gratuito significa que a circulação de automóveis vai diminuir, que a poluição será menor, que o ar se tornará mais respirável.

Necessitamos perceber como, na prática, com essa perspectiva radical, as batalhas diárias vão se combinando, convergindo, articulando.

Hoje o ecossocialismo é não só trabalho de pensadores ou revistas especializadas, está presente nos movimentos sociais; mesmo que alguns deles não se chamem ecologistas ou socialistas, está presente no espírito, na radicalidade, na dinâmica dos movimentos sociais, em particular nas nações do Terceiro Mundo como a Índia, os países africanos e os latino-americanos.

Mas alguns ideólogos da ecologia colocam falsos problemas. Por exemplo, que a degradação do meio-ambiente é culpa de nosso consumismo, que cada um de nós consome muito, que é necessário reduzir o consumo para proteger o meio-ambiente. Isso responsabiliza os indivíduos e redime o sistema. É verdade que o consumo dos indivíduos é um problema, mas o consumo do sistema capitalista, do militarismo capitalista, da lógica de acumulação do capital, é muito maior.

Então, em vez de apregoar a autolimitação individual, é necessário chamar à organização para lutar contra o sistema capitalista; essa deve ser nossa resposta.

Outra visão equivocada é aquela que declara que a culpa é do ser humano, que mediante o antropocentrismo e o humanismo se pôs no centro e desprezou os outros seres vivos. Creio que esta concepção causa falsos problemas. Porque é do interesse da humanidade, da sobrevivência dos seres humanos, dos homens e das mulheres, preservar o meio do qual dependem inevitavelmente.

Não se trata de contrapor a sobrevivência humana à de outras espécies, trata-se de entender que elas são inseparáveis e que nossa sobrevivência como seres humanos depende da salvaguarda do equilíbrio ecológico e da diversidade das espécies; portanto, desde o ecossocialismo estaríamos falando de um humanismo biocentrista.

Michael Löwy é cientista social, leciona na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais da Universidad de Paris. É autor de As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen (Cortez Editora, 1998) e A estrela da manhã. Surrealismo e marxismo. (Civilização Brasileira, 2002), entre outras obras.
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 parte do artigo publicado originariamente no La Haine
e www.brasildefato.com.br